ARTISTA. NÁDIA DUVALL
LOCALIZAÇÃO. OEIRAS
TÍTULO. O Beijo de Nidor
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O Beijo de Nidor
Ainda me recordo com ansiedade o período da infância quando, ainda tão selvagens e pequenos, nos incutiam o medo do Apocalipse do ano 2000. Crescendo num mundo de crédulos era impossível distanciar-me desse terror em iminência. A alguns dias de chegar o dito ano, todos falavam do Fim do Mundo e com ele o fim de tudo o que conhecíamos. Os adultos bebiam, dançavam e beijavam-se como se fosse a última vez. Escondiam-se nos cantos, fugiam de carro e abandonavam os filhos.
As crianças observavam o panorama do que era o cenário do fim do mundo. Existia uma certa estranheza cinematográfica naquilo tudo. Os velhos permaneciam passivos pois a maioria já tinha conhecido a guerra e não eram capazes de conceber algo pior do que o que já tinham presenciado antes.
Mas os filhos do mundo livre não conhecem o pavor e a angústia e por isso só lhes resta imaginar.
Chegado o dia 2000 aguardámos expectantes. Um meteoro? A fúria de Deus? Um Tsunami? Uma Bomba Atómica? Um ditador louco? E continuámos a aguardar… uma hora, um dia, uma semana, um mês…
Os dias foram passando e as pessoas foram perdendo o êxtase do fim do mundo. Regressaram à monotonia do dia-a-dia. Os velhos abanaram a cabeça sorrindo da estupidificação generalizada. Por outro lado, as crianças libertaram-se de uma angústia que nunca foi delas. Pensaram: “…talvez ainda dê tempo para brincar…”
Infelizmente algumas deram conta que já eram adultas.
20 anos depois, com os olhos postos no mediatismo, no mau jornalismo e nos loucos que assumem o poder absoluto (talvez por essa mesma razão), surge-nos (num ângulo morto), a Pandemia Corona.
Muito longe do esboço apocalíptico do ano 2000 mas cruo o suficiente para sentirmos o Mal Humano que há tantos anos se alimenta da passividade, ignorância e egoísmo.
A destruição do planeta é cada vez mais veloz mas não a vemos por estarmos tão absortos apenas no chão que pisamos. A extrema direita ergue-se perante os ignorantes e o xadrez atómico é o serão dos multimilionários.
Estamos perante o triunfo do Vilão!
Com frieza afastámo-nos do que de facto nos destrói, iludidos com cenários seguros e privilégios em permanência. Assumimos a liberdade, a paixão, o céu aberto, o mergulho no mar, o toque e o Outro. Assumimos que a realidade era nossa e intocável. Assumimos a livre expressão!
Como a condição cultural e humana pode ser tão frágil….!
Um ano a olhar pela janela, sentimos falta do Outro e do corpo. O nosso quase que nos escapa com o sonho da brisa. A impossibilidade de abraçar, do toque e de beijos aleatórios obriga-nos a olhar para o reflexo no vidro, e sabemos que a culpa também é nossa devido a um narcisismo quadrado que impossibilitou perspectiva.
O alheamento inverteu a realidade previamente assegurada.
Com o confinamento longe de corpos permeáveis e porosos, ouço pela primeira vez maravilhosas melodias de pássaros às 5 da manhã. Como nunca me dei conta?! Fiquei estupefacta com o Sintoma de Macaco Surdo e Cego de que eu própria sofria.
Se por um lado, neste momento de isolamento social, o mundo que (re)conhecemos está mais longe de todos, por outro lado o mundo natural exala todo o seu poder, beleza e força.
As orcas vieram dizer-nos que fazemos demasiado barulho e demasiado lixo e defendem-se como nunca vimos.
À janela, deixo a natureza consumir-me de exuberância, mas beijo a saudade do toque, do suor partilhado, da aventura do amor e da amizade. Recordo o Beijo de Rodin… agora numa realidade antagónica. Chamo-lhe o Beijo de Nidor.
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