17.12.11

*17 de dezembro*

autora. vÂniA kOstA
título. tenho um poema na minha mão...

[técnica. composição com "objectos memória" (espelho, desenho a tinta da china, pássaro, lápis, ornithophone) sobre cartão pintado e costurado]


na mão poderia ter um bilhete de comboio... como tantos que guardei. viagens que fiz. lugares onde gostaria de voltar. hoje, em vez disso, ao abrir os olhos tenho na mão pequenos objectos. olho-os de novo. e tal como esses bilhetes outrora me levaram até lugares, com estes mesmos objectos viajo. olho de novo para eles. toco-lhes com os olhos das pontas dos meus dedos. sinto-lhes o toque e a essência de que são hoje feitas as suas formas acarinhadas pelo tempo. as suas silhuetas ganharam um significado especial pelas histórias que senti e vivi, ora pelas memórias que um dia me foram passadas pela mesma voz que continua a contar-me histórias. a partir desse instante, passaram a ser também minhas, essas memórias. e desejo que muitos instantes assim possam continuar a existir e a acontecer. um testemunho passado de geração, ora na luz quente de uma lareira, ora debaixo da sombra de uma laranjeira. e um dia, quem sabe, estarei também eu nesse mesmo lugar. a dar continuidade a estas viagens. e tal como o ciclo de vida de uma simples semente, esta “semente memória” possa germinar e crescer. que possamos, também nós, depois de tanto tempo, continuar a existir. na eterna esperança de estarmos presentes junto de quem amamos mesmo que nunca os possamos vir a conhecer. 
e através destes objectos, desejo encontrar esses lugares e voltar a sentir, de todas essas vezes, próxima das raízes da minha mão. das linhas que se interligam e de que sou escrita.
tenho um poema na minha mão. 
sou o poema da minha mão.
numa, tenho estes “objectos memória”. na outra, guardo desejos. desejos para amanhã. para o dia a seguir. para o outro dia que há-de vir. respiro fundo. junto as mãos. procuro fundir estes desejos nas silhuetas destes objectos. estes aqui que hoje têm casa própria onde morar e que com eles continuo a encontrar o caminho para esses lugares por onde viajo e me encontro...
[um espelho que reflecte uma memória. um eu que continua a existir e que se reconhece na forma que o tempo, na sua beleza de existir, abraça e cuida. e uma luz que se projecta até um lugar. que se difunde em cor por todo o lugar. em todas as formas ou superfícies que habitam cada um desses lugares. lá fora e cá dentro. um pássaro que veio voando de terras longínquas. um lápis arco-irís que guardo para me ajudar a colorir os dias cinzentos que também têm o seu lugar para existir. um ornithophone pertencente ao avô e que vivia num dos seus bolsos. com ele o avô ensinava os pássaros a cantar. e com ele continuo eu a entender a linguagem dos pássaros. trazem-me histórias. levam outras. contam-me segredos. guardam os meus segredos. e espalham a música do mundo que nos habita. e girando este pequeno objecto inicio o cantar secreto dos pássaros... ]

texto de: vÂniA kOstA

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