15.12.24

15 de DEZEMBRO de 2024 // ANA ABRUNHOSA sobre fragmento #10


CALENDÁRIO DO ADVENTO.

15 de DEZEMBRO de 2024

// ANA ABRUNHOSA

intervenção sobre fragmento #10



CÔA 20 000 A . C  .


 

 Cresci em Terras do Côa, esta grande janela aberta para o advento da Humanidade. Há mais de 20 000 anos, neste vale, a mão escrevia tão exata a necessária travessia, como um archote no caminho que nos traria ao presente. 


 Ocorreu-me que tinha perto as primeiras linhas da existência humana. As primeiras, as primordiais, porque no princípio era a Linha. Diria Picasso que, após Altamira, toda a arte é declínio e eu, que nem artista sou, o que poderia criar perante a modernidade gráfica das figuras do Côa?


 As figuras humanas do Côa, com linhas menos estilizadas e padronizadas, parecem obedecer a regras de representação distintas das aplicadas aos animais. Porquê? Porque é que a mão que desenhou/escreveu de forma tão sintética, com o mínimo de linhas, as formas dos outros animais não o fez com a forma humana? Avanço, livremente, que a complexidade do Ser já se fazia presente.  


 Numa primeira observação, entendi esta figura como uma espécie de fauno pré-mitológico, meio homem, meio bode. Intrigou-me. Está gravada na Rocha 24, no núcleo da Ribeira de Piscos, que, segundo as informações do Museu do Côa, é talvez a mais importante rocha paleolítica da arte do Côa, pela enorme qualidade e originalidade do acervo decorado. Trata-se de uma figura enigmática e, apesar de ter sido pouco estudada, crê-se que poderá representar uma figura feminina.  


 Isso! Uma MULHER. 


 A sua forma quimérica possui traços paralelos interpretados como possíveis vestes, um detalhe que, por viés profissional, me desperta a imaginação.  Mas seja uma  mulher ou um símbolo híbrido, esta gravura é a materialização de uma travessia intemporal que funde natureza, espiritualidade e criação. E, neste meu fragmento, quero, com a minha mão, reproduzi-la e celebrar aquela outra mão que a escreveu

 Quero celebrar esta mulher, sobre a qual o pouco que sabemos é aquilo que hoje somos. Quero celebrar este ser que deu os primeiros passos por nós neste longo, tortuoso e fascinante caminho de ser-se Humano. De ser-se Mulher.



anapaulaabrunhosa@gmail.com 

https://www.instagram.com/anaabrunhosa_fio




(imagens em estúdio do processo criativo e pormenor da obra)



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